O tema da educação permeou quase todas as rodadas de discussões do
Global Economic Symposium (GES). Agora, quando o tema se une à
tecnologia disponível a real dimensão do que pode acontecer nesse
cenário fica quase sem previsões até mesmo para palestrantes ilustres.
Especialmente quando o fornecimento de conteúdo educacional se dá
on-line. Fato é que as universidades se preparam para oferecer mais e
mais formação ou cursos em nível superior via internet. Mas, neste exato
momento, precisam estabelecer uma estratégia mais vigorosa para tanto.
Isso porque precisam estar preparadas para enfrentar o tiroteio de
críticas dos setores clássicos da educação, sob aspectos de defesa dos
interesses dos usuários de cursos on-line.
Michael
Kirst, professor emérito de Educação e Administração de Empresas da
Universidade de Stanford, diz que há muitos fatores a serem resolvidos,
como a questão dos tutores, dos softwares de gestão, da evasão, ou seja,
é preciso uma redefinição da universidade, mas a escolha vai depender
do consumidor que pode escolher qualquer provedor de ensino para fazer
um curso universitário, em qualquer país.
Nessa
linha, há quem aposte que o aluno poderá montar o seu pacote de
formação, pegando os temas de seu interesse, em diferentes locais. “Ele
poderá ir às compras no quesito educação”, assegurou Kirst. “Em vez de
usar apenas um provedor de ensino”.
Assim,
a redefinição das universidades, um dos temas do GES, que aconteceu no
Rio de Janeiro esta semana, parece uma questão emergencial sob diversos
aspectos à espera de uma solução. O presidente da University of the
People, Shai Reschef, não se deixa intimidar e diz que pretende crescer
na medida em que há demanda. A Uopeople já recebeu mais de 1,5 mil
estudantes de mais de 130 países, o que a coloca entre os líderes
globais em educação superior.
Fundador
e diretor Administrativo da Kaizen Private Equity, Sandeep Aneja,
acredita que a educação on-line vai ser acessível a todos, mas defende
uma autenticação que comprove o grau de habilidade dos alunos de acordo
com o nível da educação ofertada. Já o membro do conselho executive da
Bertelsmann Stiftung, Jörg Dräger, assegura que é preciso, antes de
tudo, mudar o conceito da cadeia de valor da escola.
Kirst
acrescenta que o governo precisa criar um mecanismo regional, ou
federal, para agregar os diferentes fornecedores e assim garantir que
todos pratiquem o mesmo padrão de qualidade na educação. “E precisamos
de um órgão ou conselhos de revisão da qualidade profissional para os
cursos, de forma a assegurar que tenham a qualidade esperada”.
O
membro do conselho executive da Bertelsmann Stiftung, Jörg Dräger,
assegura que é preciso antes de tudo mudar o conceito da cadeia de valor
da escola. Dräger enfatizou que, se a educação vai se tornar
commoditie, é preciso que tenha o mesmo padrão para todos. Ou seja, que
se crie um sistema de transferência de créditos (pontos versus
disciplina) reconhecido e aceito por diversas universidades. “Precisamos
oferecer cursos com controle de qualidade, com resultado definido, e de
um modo transparente de certificação que possa ser aceito entre
universidades e países”. Segundo ele, essas são medidas necessárias para
proteger o individuo, mesmo que ele esteja investindo apenas tempo e
não dinheiro, porque muitos cursos são gratuitos.
Nessa
linha, Aneja sugeriu medir a taxa de empregabilidade com base nos
cursos oferecidos pelas universidades on-line. Ou seja, um dos dilemas
do setor hoje é, segundo Kirst, estruturar um ranking de classificação
das universidades gratuitas on-line. A comissão européia, assegura
Dräger, já está trilhando esse caminho para ter essa mensuração
multidimensional.
A
questão das universidades via internet interfere diretamente em um tripé
importante da economia das nações, como mobilidade, capital e emprego.
Reshef lembrou um dado da Unesco de que há 100 milhões de estudantes
aguardando pela oportunidade de obter uma educação em nível superior.
Ainda assim, ele diz que o mercado não deve esperar que o governo
trabalhe em algum tipo de regulamentação. Ele prefere, caso haja a
necessidade de se criar um critério de análise internacional, ou
creditação global das universidades, que isso seja coordenado por
instituições não governamentais.
Kist
lembrou que embora haja muitas críticas duras e negativas quanto à
questão da qualidade do ensino a distancia, a evasão dos cursos, ou
seja, do sistema como está hoje em dia, é preciso criar uma resistência a
esses pontos e respostas significativas.
Riqueza humana
E
porque será que a educação passa a ser fator crítico na discussão
econômica? A resposta não está muito longe, mas na plenária realizada na
sala ao lado, que tratou do combate à desigualdade de oportunidades, na
qual Yves Leterme, secretário-adjunto da OECD, fez questão de frisar
que a riqueza humana das nações é que vai determinar o desenvolvimento
das oportunidades.
Ele
defendeu uma boa formação de base no estágio da infância e seu ponto de
vista foi reforçado pelo exemplo do sucesso de escolas privadas de
baixo custo que pipocam no Paquistão e na Índia. Segundo Eric Hanushek,
sênior Fellow da Hoover Insitution, da Universidade de Stanford: “Elas
têm hoje uma imensa capacidade de mudar o nível da educação nesses
países”. Ele defendeu ainda a ideia de se criar, portanto, um sistema
mais responsável e de fazer com que os governos respondam mais aos
pobres e às crianças. “Se a família não está fornecendo a educação,
precisamos buscar novas formas de fazer isso”.
Robert
Dugger, que integrou a bancada, salientou que a economia é apenas mais
uma forma de falar de justiça. “E a justiça é um ponto importante para
se estudar a desigualdade.” Muito se falou em voluntariado para sanar os
gaps de educação, mas Yves Leterme foi categórico ao dizer que se trata
de uma ação importante, mas insuficiente. “Temos de investir na
formação e remuneração da profissão de professores”.
O poder da amorosidade
O
Global Economic Symposium (GES - 2012) também mesclou o pensamento
econômico clássico do ocidente com o oriente. Colocou em um mesmo painel
Tania Singer, diretora do Departamento de Neurociência Social do
Instituto Max Planck para Ciência Cognitiva e Mental, na Alemanha, e o
co-fundador e presidente da Organização Humanitária Karuna-Shechen,
Matthieu Ricard, que está envolvido em mais de 100 trabalhos
humanitários. Um jeito simpático de passar do fenômeno das massas para o
individual e de mostrar que se cada um fizer bem a sua parte, o todo
será melhor.
Tania
Singer desenvolve, por sua vez, um trabalho junto a outros cientistas,
como antropólogos, economistas, biólogos e psicólogos para tentar
entender como o ambiente influencia o comportamento humano, ou a mente
humana.
Durante o GES
ela falou sobre a manutenção do cuidado. Segundo ela, há três sistemas
motivacionais que estão por trás das decisões. Todas elas, garante, têm
um fator principal de motivação. Ou seja, não existe de fato ou uma
decisão racional, que antes não tenha sido fomentada por algum tipo de
fator motivador.
Os
sistemas são três. O primeiro o de busca motivacional (ou seja, que tem
incentivo, metas) e leva a um certo grau de impaciência e excitação. O
segundo é o sistema de ameaça, que desemboca no medo que tende a se
perpetuar. E o terceiro é o do cuidado, bem representado por sensações
de calor, amor, afeto. Sentimentos positivos e não de auto-exitação, mas
com características de realização e satisfação.
Segundo
Tania, quando esses três sistemas estão em equilíbrio, a pessoa está em
harmonia. “Mas quando um deles se sobressai, a pessoa fica doente”,
observa. Isso, porque o primeiro sistema de busca, por exemplo, pode
tornar um profissional em um viciado, mais competitivo e até invejoso.
Segundo ela, o indivíduo pode colaborar para a empresa por qualquer um
desses sistemas, mas a sustentabilidade vai depender de onde a motivação
surgiu.
Já o sistema
do cuidado, por sua vez, produz oxytocin e assim ativa uma pequena área
no cérebro (amygdale) responsável por criar uma sensação de confiança e
amorosidade. E Tania questionou a larga audiência presente à sessão: “A
compaixão faz parte dos modelos econômicos ou é um paradoxo”? Esse foi
tema também de um congresso em Zurich no ano passado. A palestrante
garante que hoje, a partir de muitas experiências cientificas, há
técnicas capazes de treinar e estimular a mente para a compaixão. “É
possível sim, em apenas uma semana, mudar as redes sociais da mente”,
afirma ela. “A cooperação, em vez da competição, muda os níveis de
cortisona e isso reduz o estresse e aumenta a sensação de bem estar”.
Eu, você, o outro...
E
é bom que as coporações treinem seus profissionais nessa linha, afinal,
Matthieu Ricard quer mesmo é ver aumentar a preocupação do bem-estar do
outro. “Quando se usa mais a benevolência, aumenta-se também a forma
como se vai julgar uma situação”, orienta ele. Só desse modo,
acrescenta, é possível enriquecer o aspecto motivacional. For a isso,
assegura ele, estamos nos tornando pessoas narcisistas e auto-centradas.
“Ou seja, viramos uns verdadeiros psicopatas”, sentencia. “E isso
significa o esmagamento da compaixão”.
Ricard
frisou que com todos os desafios que temos hoje, vivendo num mundo com
tantos riscos e perigos, lutar juntos para sobreviver é mais fácil que
lutar contra o outro. “A cooperação sempre resultou num sistema de
sobrevivência bem sucedida na natureza”. Agora, diz ele, precisamos
aplicar isso para o curto prazo da vida humana e no longo prazo da vida
do planeta ou do meio ambiente. “Uma consideração maior pelos outros não
destrói as economias de vida”.
Para
Ricard, a falta de preocupação com o carinho, ou com a inteligência
emocional, de nada ajuda a sociedade como um todo. E é preciso estar
atento e aberto a mais esse ensinamento.
Mercados livres
Se
a amorosidade e a benevolência estão na pauta econômica e social, será
que a crise européia tem condições de fazer a reengenharia necessária
para que tudo volte aos trilhos? Tudo indica que sim, afinal a União
Europeia acaba de reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz pelas inúmeras
tentativas de criar uma proposta promissora na zona do euro. Ou seja, os
lideres estão tentando enfrentar o problema da crise por meio de uma
governança inclusiva, segundo alguns debatedores, para tentar uma coesão
social. “Eu não subestimaria as decisões já tomadas pelos líderes
europeus e aquelas que ainda virão nos próximos dois anos”, aposta Yves
Leterme, secretário-adjunto da OECD. E ele se firma na crença de que,
apesar dos pesares, os mercados livres ainda são a forma mais eficiente
para desenvolver uma economia, embora não equacione a coesão social e da
falta de recursos ambientais e naturais.
Diplomático
ao extremo, Lászio Andor, comissário para Emprego, Assuntos Sociais e
Inclusão da UE (Comissão Europeia) diz que várias premissas ainda não
foram analisadas na crise da zona do euro. “O volume 2 de como
reconstruir essa união deve ser escrito a partir de agora”, filosofou.
Os
líderes da comunidade européia envolvidos com as duras negociações da
agenda econômica e social ouviram de Ricard que de nada adianta um país
ser uma potência econômica, mas com uma população infeliz. Ele disse que
o modelo social-econômico adotado no Butão, que leva em conta o
indicador de felicidade interna bruta, em vez do PIB, está
constantemente sendo revisado e pode ser exportado.
Ricard
voltou a enfatizar a importância da benevolência e provocou a mesa ao
dizer que, após dez rodadas de negociações em fóruns como o G20 ou G7,
as pessoas se cansam e deixam de ser solidárias. “O ponto é que estamos
decidindo a vida das gerações futuras que nem estão aqui, mas que vão
sofrer as consequências disso tudo”. Criticou também os elevados níveis
de consumo que, segundo ele, são os grandes responsáveis pela
desigualdade. Afinal, consumimos nas ultimas três ou quatro décadas mais
recursos naturais que nos últimos 2 mil anos de história. Outro
problema que mexe com os ânimos em geral é a questão do envelhecimento
da população. A China, embora poupe 50% do que ganha, dispõe de um
sistema frágil que não oferece garantias de renda e isso pode provocar
um grande declínio na forca de trabalho. Andor lembra que, na idade de
aposentadoria, o risco de pobreza é maior para a mulher do que para o
homem, porque ela se afasta com mais antecedência da atividade
profissional.
As
grandes nações, portanto, se deparam com a reforma do sistema de
seguridade social, tornando assim a saúde pública e a empregabilidade
atores importantes no cenário econômico e social. E tudo isso passa de
alguma forma por construir nações com educação necessária para enfrentar
os novos tempos.
Por Marisa Torres.
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