quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A educação e o impacto na economia global



O tema da educação permeou quase todas as rodadas de discussões do Global Economic Symposium (GES). Agora, quando o tema se une à tecnologia disponível a real dimensão do que pode acontecer nesse cenário fica quase sem previsões até mesmo para palestrantes ilustres. Especialmente quando o fornecimento de conteúdo educacional se dá on-line. Fato é que as universidades se preparam para oferecer mais e mais formação ou cursos em nível superior via internet. Mas, neste exato momento, precisam estabelecer uma estratégia mais vigorosa para tanto. Isso porque precisam estar preparadas para enfrentar o tiroteio de críticas dos setores clássicos da educação, sob aspectos de defesa dos interesses dos usuários de cursos on-line.

Michael Kirst, professor emérito de Educação e Administração de Empresas da Universidade de Stanford, diz que há muitos fatores a serem resolvidos, como a questão dos tutores, dos softwares de gestão, da evasão, ou seja, é preciso uma redefinição da universidade, mas a escolha vai depender do consumidor que pode escolher qualquer provedor de ensino para fazer um curso universitário, em qualquer país.

Nessa linha, há quem aposte que o aluno poderá montar o seu pacote de formação, pegando os temas de seu interesse, em diferentes locais. “Ele poderá ir às compras no quesito educação”, assegurou Kirst. “Em vez de usar apenas um provedor de ensino”.

Assim, a redefinição das universidades, um dos temas do GES, que aconteceu no Rio de Janeiro esta semana, parece uma questão emergencial sob diversos aspectos à espera de uma solução. O presidente da University of the People, Shai Reschef, não se deixa intimidar e diz que pretende crescer na medida em que há demanda. A Uopeople já recebeu mais de 1,5 mil estudantes de mais de 130 países, o que a coloca entre os líderes globais em educação superior.

Fundador e diretor Administrativo da Kaizen Private Equity, Sandeep Aneja, acredita que a educação on-line vai ser acessível a todos, mas defende uma autenticação que comprove o grau de habilidade dos alunos de acordo com o nível da educação ofertada. Já o membro do conselho executive da Bertelsmann Stiftung, Jörg Dräger, assegura que é preciso, antes de tudo, mudar o conceito da cadeia de valor da escola.

Kirst acrescenta que o governo precisa criar um mecanismo regional, ou federal, para agregar os diferentes fornecedores e assim garantir que todos pratiquem o mesmo padrão de qualidade na educação. “E precisamos de um órgão ou conselhos de revisão da qualidade profissional para os cursos, de forma a assegurar que tenham a qualidade esperada”.

O membro do conselho executive da Bertelsmann Stiftung, Jörg Dräger, assegura que é preciso antes de tudo mudar o conceito da cadeia de valor da escola. Dräger enfatizou que, se a educação vai se tornar commoditie, é preciso que tenha o mesmo padrão para todos. Ou seja, que se crie um sistema de transferência de créditos (pontos versus disciplina) reconhecido e aceito por diversas universidades. “Precisamos oferecer cursos com controle de qualidade, com resultado definido, e de um modo transparente de certificação que possa ser aceito entre universidades e países”. Segundo ele, essas são medidas necessárias para proteger o individuo, mesmo que ele esteja investindo apenas tempo e não dinheiro, porque muitos cursos são gratuitos.

Nessa linha, Aneja sugeriu medir a taxa de empregabilidade com base nos cursos oferecidos pelas universidades on-line. Ou seja, um dos dilemas do setor hoje é, segundo Kirst, estruturar um ranking de classificação das universidades gratuitas on-line. A comissão européia, assegura Dräger, já está trilhando esse caminho para ter essa mensuração multidimensional.

A questão das universidades via internet interfere diretamente em um tripé importante da economia das nações, como mobilidade, capital e emprego. Reshef lembrou um dado da Unesco de que há 100 milhões de estudantes aguardando pela oportunidade de obter uma educação em nível superior. Ainda assim, ele diz que o mercado não deve esperar que o governo trabalhe em algum tipo de regulamentação. Ele prefere, caso haja a necessidade de se criar um critério de análise internacional, ou creditação global das universidades, que isso seja coordenado por instituições não governamentais.

Kist lembrou que embora haja muitas críticas duras e negativas quanto à questão da qualidade do ensino a distancia, a evasão dos cursos, ou seja, do sistema como está hoje em dia, é preciso criar uma resistência a esses pontos e respostas significativas.

Riqueza humana

E porque será que a educação passa a ser fator crítico na discussão econômica? A resposta não está muito longe, mas na plenária realizada na sala ao lado, que tratou do combate à desigualdade de oportunidades, na qual Yves Leterme, secretário-adjunto da OECD, fez questão de frisar que a riqueza humana das nações é que vai determinar o desenvolvimento das oportunidades.

Ele defendeu uma boa formação de base no estágio da infância e seu ponto de vista foi reforçado pelo exemplo do sucesso de escolas privadas de baixo custo que pipocam no Paquistão e na Índia. Segundo Eric Hanushek, sênior Fellow da Hoover Insitution, da Universidade de Stanford: “Elas têm hoje uma imensa capacidade de mudar o nível da educação nesses países”. Ele defendeu ainda a ideia de se criar, portanto, um sistema mais responsável e de fazer com que os governos respondam mais aos pobres e às crianças. “Se a família não está fornecendo a educação, precisamos buscar novas formas de fazer isso”.

Robert Dugger, que integrou a bancada, salientou que a economia é apenas mais uma forma de falar de justiça. “E a justiça é um ponto importante para se estudar a desigualdade.” Muito se falou em voluntariado para sanar os gaps de educação, mas Yves Leterme foi categórico ao dizer que se trata de uma ação importante, mas insuficiente. “Temos de investir na formação e remuneração da profissão de professores”.

O poder da amorosidade

O Global Economic Symposium (GES - 2012) também mesclou o pensamento econômico clássico do ocidente com o oriente. Colocou em um mesmo painel Tania Singer, diretora do Departamento de Neurociência Social do Instituto Max Planck para Ciência Cognitiva e Mental, na Alemanha, e o co-fundador e presidente da Organização Humanitária Karuna-Shechen, Matthieu Ricard, que está envolvido em mais de 100 trabalhos humanitários. Um jeito simpático de passar do fenômeno das massas para o individual e de mostrar que se cada um fizer bem a sua parte, o todo será melhor.

Tania Singer desenvolve, por sua vez, um trabalho junto a outros cientistas, como antropólogos, economistas, biólogos e psicólogos para tentar entender como o ambiente influencia o comportamento humano, ou a mente humana.

Durante o GES ela falou sobre a manutenção do cuidado. Segundo ela, há três sistemas motivacionais que estão por trás das decisões. Todas elas, garante, têm um fator principal de motivação. Ou seja, não existe de fato ou uma decisão racional, que antes não tenha sido fomentada por algum tipo de fator motivador.

Os sistemas são três. O primeiro o de busca motivacional (ou seja, que tem incentivo, metas) e leva a um certo grau de impaciência e excitação. O segundo é o sistema de ameaça, que desemboca no medo que tende a se perpetuar. E o terceiro é o do cuidado, bem representado por sensações de calor, amor, afeto. Sentimentos positivos e não de auto-exitação, mas com características de realização e satisfação.

Segundo Tania, quando esses três sistemas estão em equilíbrio, a pessoa está em harmonia. “Mas quando um deles se sobressai, a pessoa fica doente”, observa. Isso, porque o primeiro sistema de busca, por exemplo, pode tornar um profissional em um viciado, mais competitivo e até invejoso. Segundo ela, o indivíduo pode colaborar para a empresa por qualquer um desses sistemas, mas a sustentabilidade vai depender de onde a motivação surgiu.

Já o sistema do cuidado, por sua vez, produz oxytocin e assim ativa uma pequena área no cérebro (amygdale) responsável por criar uma sensação de confiança e amorosidade. E Tania questionou a larga audiência presente à sessão: “A compaixão faz parte dos modelos econômicos ou é um paradoxo”? Esse foi tema também de um congresso em Zurich no ano passado. A palestrante garante que hoje, a partir de muitas experiências cientificas, há técnicas capazes de treinar e estimular a mente para a compaixão. “É possível sim, em apenas uma semana, mudar as redes sociais da mente”, afirma ela. “A cooperação, em vez da competição, muda os níveis de cortisona e isso reduz o estresse e aumenta a sensação de bem estar”.

Eu, você, o outro...

E é bom que as coporações treinem seus profissionais nessa linha, afinal, Matthieu Ricard quer mesmo é ver aumentar a preocupação do bem-estar do outro. “Quando se usa mais a benevolência, aumenta-se também a forma como se vai julgar uma situação”, orienta ele. Só desse modo, acrescenta, é possível enriquecer o aspecto motivacional. For a isso, assegura ele, estamos nos tornando pessoas narcisistas e auto-centradas. “Ou seja, viramos uns verdadeiros psicopatas”, sentencia. “E isso significa o esmagamento da compaixão”.

Ricard frisou que com todos os desafios que temos hoje, vivendo num mundo com tantos riscos e perigos, lutar juntos para sobreviver é mais fácil que lutar contra o outro. “A cooperação sempre resultou num sistema de sobrevivência bem sucedida na natureza”. Agora, diz ele, precisamos aplicar isso para o curto prazo da vida humana e no longo prazo da vida do planeta ou do meio ambiente. “Uma consideração maior pelos outros não destrói as economias de vida”.

Para Ricard, a falta de preocupação com o carinho, ou com a inteligência emocional, de nada ajuda a sociedade como um todo. E é preciso estar atento e aberto a mais esse ensinamento.

Mercados livres

Se a amorosidade e a benevolência estão na pauta econômica e social, será que a crise européia tem condições de fazer a reengenharia necessária para que tudo volte aos trilhos? Tudo indica que sim, afinal a União Europeia acaba de reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz pelas inúmeras tentativas de criar uma proposta promissora na zona do euro. Ou seja, os lideres estão tentando enfrentar o problema da crise por meio de uma governança inclusiva, segundo alguns debatedores, para tentar uma coesão social. “Eu não subestimaria as decisões já tomadas pelos líderes europeus e aquelas que ainda virão nos próximos dois anos”, aposta Yves Leterme, secretário-adjunto da OECD. E ele se firma na crença de que, apesar dos pesares, os mercados livres ainda são a forma mais eficiente para desenvolver uma economia, embora não equacione a coesão social e da falta de recursos ambientais e naturais.

Diplomático ao extremo, Lászio Andor, comissário para Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão da UE (Comissão Europeia) diz que várias premissas ainda não foram analisadas na crise da zona do euro. “O volume 2 de como reconstruir essa união deve ser escrito a partir de agora”, filosofou.

Os líderes da comunidade européia envolvidos com as duras negociações da agenda econômica e social ouviram de Ricard que de nada adianta um país ser uma potência econômica, mas com uma população infeliz. Ele disse que o modelo social-econômico adotado no Butão, que leva em conta o indicador de felicidade interna bruta, em vez do PIB, está constantemente sendo revisado e pode ser exportado.

Ricard voltou a enfatizar a importância da benevolência e provocou a mesa ao dizer que, após dez rodadas de negociações em fóruns como o G20 ou G7, as pessoas se cansam e deixam de ser solidárias. “O ponto é que estamos decidindo a vida das gerações futuras que nem estão aqui, mas que vão sofrer as consequências disso tudo”. Criticou também os elevados níveis de consumo que, segundo ele, são os grandes responsáveis pela desigualdade. Afinal, consumimos nas ultimas três ou quatro décadas mais recursos naturais que nos últimos 2 mil anos de história. Outro problema que mexe com os ânimos em geral é a questão do envelhecimento da população. A China, embora poupe 50% do que ganha, dispõe de um sistema frágil que não oferece garantias de renda e isso pode provocar um grande declínio na forca de trabalho. Andor lembra que, na idade de aposentadoria, o risco de pobreza é maior para a mulher do que para o homem, porque ela se afasta com mais antecedência da atividade profissional.

As grandes nações, portanto, se deparam com a reforma do sistema de seguridade social, tornando assim a saúde pública e a empregabilidade atores importantes no cenário econômico e social. E tudo isso passa de alguma forma por construir nações com educação necessária para enfrentar os novos tempos.

Por Marisa Torres. 

Fonte: canalrh.com.br 



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