Por séculos o trabalho foi considerado sinônimo de prazer e realização, além de uma fonte de sustento familiar. No entanto, levantamentos recentes mostram que os profissionais estão sofrendo – e muito – com doenças físicas e psicológicas causadas pelo próprio emprego
Por Eber Freitas,
Revista Administradores
Houve um tempo em que, como diz o senador italiano José Luiz Del Roio, para o trabalhador, viver significava não morrer. Tal afirmativa evoca o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, quando as jornadas de trabalho chegavam a 16 horas por dia e os operários não tinham qualquer direito ou prerrogativa.
De fato, o bem-estar e o trabalho são dois conceitos que, por muito tempo, foram tratados pelos estudiosos – e, sobretudo, pelos empresários – de maneira dissociada, como lembra Cristophe Dejours, autor do livro "A Loucura do Trabalho": "a insatisfação, embora implicitamente designada em numerosos trabalhos, foi, na verdade, bem pouco estudada [...] a maioria dos autores interessa-se mais pela questão da satisfação, da motivação, do que pela insatisfação".
Todavia, torna-se cada vez mais necessário que as empresas e profissionais lancem mão de ferramentas, métodos e teorias que proporcionem um direito implícito e um gerador potencial de produtividade e bons resultados: o bem-estar no trabalho.
O
trabalho
As
primeiras concepções acerca da divisão do trabalho já podem ser percebidas no
pensamento dos filósofos antigos. "Platão defendia a formação da sociedade
em três classes de trabalhadores: os filósofos (superiores), os guerreiros e,
abaixo deles, os artesãos", afirma Paulo Zambroni, doutor em psicologia
social. Adam Smith (século XVIII) e Karl Marx (século XIX) atribuíram um
conceito de valor econômico ao trabalho, uma fonte latente de riqueza material.
Apesar de
serem perspectivas diferenciadas – e de muitos outros pensadores também terem
participado desse debate histórico – compreende-se que o trabalho é um elemento
que agrega valor à pessoa, lapida o seu caráter e constitui um capital vivo
para a sociedade. Se a humanidade alcançou o patamar de desenvolvimento que
vivenciamos hoje, isso se deve quase que unicamente ao trabalho – seja ele
laboral, intelectual ou operacional – o que corrobora a visão do falecido
pesquisador e psicólogo social Álvaro Tamayo: "o tempo dedicado ao
trabalho constitui um componente fundamental para a construção e o
desenvolvimento do bem-estar pessoal e da felicidade".
Bem-estar:
uma questão física e psicológica
Um
levantamento recente realizado pela consultoria CPH Health com cerca de 194 mil
profissionais revelou que 49,2% dessa amostra tem problemas com distresse
(estresse prejudicial). Esse mal pode conduzir a um problema mais profundo,
agressivo e complicado de tratar: a depressão. Tal fenômeno pode estar ligado
diretamente ao sedentarismo, uma vez que 68% dos entrevistados não praticam
atividades físicas e permanecem sentados durante a maior parte do dia.
"As
pessoas são pessoas por inteiro, e não divididas em corpo e mente", lembra
Zambroni. Essa afirmativa pode ser estendida para as demais dimensões da vida
do colaborador, como a financeira e a familiar. Ou seja, o indivíduo é um só em
casa, no escritório, no trânsito ou onde quer que ele esteja, e o desequilíbrio
em qualquer uma dessas dimensões pode refletir nas demais. Assim, a empresa tem
uma parcela de responsabilidade na manutenção do bem-estar de seus
trabalhadores.
A
terapeuta ocupacional Joana Valeriano acredita que é impossível dissociar saúde
física e mental. "Essa é uma relação de reciprocidade, pois, quando o
funcionário é submetido a condições de pressão no ambiente de trabalho,
problemas familiares ou até assédio moral, se inicia um processo de fadiga
mental que refletirá na estrutura corpórea", explica. Ela acrescenta que a
reação natural do corpo humano é a busca pelo equilíbrio, "mas quando essa
necessidade de reorganização da estrutura física se torna constante, o
organismo acaba caminhando rumo à exaustão – e uma das consequências é a
diminuição das defesas do corpo, que facilita o surgimento de doenças".
Não é
raro ver casos em que fatores psicológicos pressionam o trabalhador a tal ponto
que os sintomas físicos emergem rapidamente, comprometendo sua qualidade de
vida, seu bem-estar e, como efeito, seu rendimento. Vítima de assédio moral, o
auxiliar administrativo Marcos* contou que, por quase dois anos, sofreu
perseguições e humilhações públicas de seu superior imediato. "Às vezes eu
era desviado da minha função, na área administrativa, e era colocado até para
lavar peças de veículos. O meu superior sempre tentava me inferiorizar em
público. Tive problemas familiares, com os estudos, passei a me alimentar mal,
tudo em decorrência dessas situações", afirmou.
Já a
funcionária pública Ana Maria* teve problemas de saúde mais complicados em
função do estresse no trabalho, mesmo atuando em uma área com a qual sempre
teve afinidade. "Talvez tenha criado expectativas demais e agora me sinto
decepcionada, frustrada e insatisfeita, pois são muitas cobranças e nenhum
reconhecimento", lamenta, explicando que o problema se tornou somático.
"Procurei ajuda de vários médicos, pois tinha problemas osteomusculares
causados pelo estresse, até que fui diagnosticada com fibromialgia",
contou.
Recentemente,
as condições de trabalho, pressão por produtividade, cargas horárias intensas e
prolongadas e a alta demanda do mercado de eletrônicos levaram alguns operários
ao suicídio na fábrica Foxconn, na China. Entre 2006 e 2007, num intervalo de
quatro meses, três funcionários altamente qualificados da Renault cometeram
suicídio por motivos semelhantes. Após o fato, o presidente da montadora
anunciou revisão da carga de trabalho, da gestão das dificuldades encontradas e
das condições das tarefas realizadas na fábrica onde ocorreram as mortes.
Viver,
para o trabalhador, não é mais apenas permanecer vivo durante o expediente. O
ato de trabalhar envolve uma série de fatores como qualidade de vida,
preocupação social e bem-estar – além de outros que afetam diretamente a saúde
do empregado – que podem, seguramente, beneficiar ou prejudicar a empresa.
Atualmente, enxergar um colaborador como apenas um funcionário significa abrir
mão de uma vantagem competitiva e de profissionais com potenciais talentos, que
não hesitarão em migrar para um concorrente que ofereça melhores condições de
trabalho.
*Nome
trocado a pedido dos entrevistados.
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