"Eu tive a oportunidade de ler esse artigo e resolvi compartilhar, publicado em 2005 e até então, apropriado á nossa realidade. Trata-se do desenrolar de um Estudo de Caso, Interessante."
Boa leitura!
Boa leitura!
Um dos maiores choques de minha vida foi na noite
anterior ao meu primeiro dia de pós-graduação em administração. Havia sido um
dos quatro brasileiros escolhidos naquele ano, e todos nós acreditávamos,
ingenuamente, que o difícil fora ter entrado em Harvard, e que o mestrado em si
seria sopa. Ledo engano.
Tínhamos de resolver naquela noite três estudos de
caso de oitenta páginas cada um. O estudo de caso era uma novidade para mim. Lá
não há aulas de inauguração, na qual o professor diz quem ele é e o que ensinará
durante o ano, matando assim o primeiro dia de aula. Essas informações podem
ser dadas antes. Aliás, a carta em que me avisaram que fora aceito como aluno
veio acompanhada de dois livros para ser lidos antes do início das aulas.
O primeiro caso a ser resolvido naquela noite era
de marketing, em que a empresa gastava boas somas em propaganda, mas as vendas
caíam ano após ano. Havia comentários detalhados de cada diretor da companhia,
um culpando o outro, e o caso terminava com uma análise do presidente sobre a
situação.
O caso terminava ali, e ponto final. Foi quando
percebi que estava faltando algo. Algo que nunca tinha me ocorrido nos dezoito
anos de estudos no Brasil. Não havia nenhuma pergunta do professor a responder.
O que nós teríamos de fazer com aquele amontoado de palavras? Eu, como meus
outros colegas brasileiros, esperava perguntas do tipo "Deve o presidente
mudar de agência de propaganda ou demitir seu diretor de marketing?".
Afinal, estávamos todos acostumados com testes de vestibular e perguntas do
tipo "Quem descobriu o Brasil?".
Harvard queria justamente o contrário. Queria que
nós descobríssemos as perguntas que precisam ser respondidas ao longo da vida.
Uma reviravolta e tanto. Eu estava acostumado a
professores que insistiam em que decorássemos as perguntas que provavelmente
iriam cair no vestibular.
Adorei esse novo método de ensino, e quando voltei
para dar aulas na Universidade de São Paulo, trinta anos atrás, acabei
implantando o método de estudo de casos em minhas aulas. Para minha surpresa, a
reação da classe foi a pior possível.
"Professor, qual é a pergunta?",
perguntavam-me. E, quando eu respondia que essa era justamente a primeira
pergunta a que teriam de responder, a revolta era geral: "Como vamos
resolver uma questão que não foi sequer formulada?".
Temos um ensino no Brasil voltado para perguntas
prontas e definidas, por uma razão muito simples: é mais fácil para o aluno e
também para o professor. O professor é visto como um sábio, um intelectual,
alguém que tem solução para tudo. E os alunos, por comodismo, querem ter as
perguntas feitas, como no vestibular.
Nossos alunos estão sendo levados a uma falsa
consciência, o mito de que todas as questões do mundo já foram formuladas e
solucionadas. O objetivo das aulas passa a ser apresentá-las, e a obrigação dos
alunos é repeti-las na prova final.
Em seu primeiro dia de trabalho você vai descobrir
que seu patrão não lhe perguntará quem descobriu o Brasil e não lhe pagará um
salário por isso no fim do mês. Nem vai lhe pedir para resolver "4/2 =
?". Em toda a minha vida profissional nunca encontrei um quadrado
perfeito, muito menos uma divisão perfeita, os números da vida sempre terminam
com longas casas decimais.
Seu patrão vai querer saber de você quais são os
problemas que precisam ser resolvidos em sua área. Bons administradores são
aqueles que fazem as melhores perguntas, e não os que repetem suas melhores
aulas.
Uma famosa professora de filosofia me disse recentemente
que não existem mais perguntas a ser feitas, depois de Aristóteles e Platão.
Talvez por isso não encontramos solução para os inúmeros problemas brasileiros
de hoje. O maior erro que se pode cometer na vida é procurar soluções certas
para os problemas errados.
Em minha experiência e na da maioria das pessoas
que trabalham no dia-a-dia, uma vez definido qual é o verdadeiro problema, o
que não é fácil, a solução não demora muito a ser encontrada.
Se você pretende ser útil na vida, aprenda a fazer
boas perguntas mais do que sair arrogantemente ditando respostas. Se você ainda
é um estudante, lembre-se de que não são as respostas que são importantes na
vida, são as perguntas.
Stephen Kanitz é administrador por Harvard (blog.kanitz.com.br)
Editora Abril, Revista Veja, edição 1898, ano 38, nº 13, 30 de março de 2005,
página 18
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